Monday, November 14, 2005

Era uma noite escura e fria. A cidade era grande e ele estava perdido. Vagueou ao acaso por ruas que desconhecia e no seu caminho viu caras, muitas caras, de gente anónima como ele. Vagabundos da noite. Esperou até amanhecer que alguma coisa acontecesse, mas nada se passou. Era difícil viver assim, à espera de um sinal, de um gesto que lhe permitisse recuperar a esperança.
Às vezes parecia que ia acontecer algo, mas era apenas a sua imaginação a pregar-lhe uma partida. Via imagens que não eram reais, fazia filmes na sua cabeça. Filmes que terminavam sempre com um final feliz. Para quando o seu final, mesmo que infeliz?
A rua estava agora deserta e a noite era mais escura do que nunca. Ao longe ouviam-se ruidos do mundo. Um mundo que não era o seu. O mundo que lhe negava tudo. Até quando ter que viver assim?

Sunday, November 13, 2005

Adeus

Já gastei as palavras de tudo aquilo que quero dizer. Já não resta nada, senão um frio que se instalou. Para sempre. Imagino cenas que nunca serão reais, porque nunca houve uma realidade em que elas coubessem. Já estiveste aqui...tão perto. E agora estás distante, não consigo quebrar o vazio que ocupa o espaço que me separa de ti. Nunca de nós porque nunca existiu um nós, apenas a ilusão de algo que nunca foi verdadeiro.
Ideias confusas povoam a minha mente. Não tenho capacidade para as controlar nem impedir que não se manifestem porque eu quero que elas saiam. Só assim a dor será menor. Só assim virá de novo a paz. Uma paz tão desejada. A paz daqueles que não amam.

"Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus."

Eugénio de Andrade

Saturday, November 12, 2005

Para ti

Hoje, pela primeira vez escrevo para ti. Não sei porque o faço se a distância que nos separa não pode ser quebrada pelas palavras. Há muito que nunca te disse e outro tanto que continuará sem se dizer. Nem estas palavras que agora aqui escrevo serão suficientes para dizer aquilo que não consigo dizer.

Tenho um passado e um presente. Não sei se terei um futuro porque não posso adivinhar quando tudo acaba, mas tenho a certeza que nada se repete. No entanto a minha vida é passada na repetição de situações que são indiscutivelmente a mesma. É difícil conseguir explicá-lo quando nem eu o entendo.
Aquilo que eu era ontem, já não sou hoje, nem serei jamais. Aquilo que me davas ontem, não me voltarás a dar. E os meus olhos deixam cair uma lágrima ao pensar na repetição de coisas que não se repetirá. Onde estás? Em que lugar do Universo encontrarei o teu sorriso?

Já não és nada. Já não sou nada. Deixei os restos de mim espalhados pelo chão que piso. Nada será como dantes. Tudo está desfeito como a alma que não possuo.