Do fundo da gaveta puxo o livro em branco das memórias que já não o são. Quantas vezes te quis, quantas? Não o sei. Não o saberei jamais. Julguei-te fora do armário, fora destes laços da vida e quando me apercebi tinha-te muito mais dentro do que antes. Quando foi que tudo começou? Um beijo não pode ser a resposta. Vem de muito antes do tempo, vem das imagens que criei em mim e dos sonhos que para mim eram reais. Lembro aqui aquela noite brilhante em que te abracei com ternura pela primeira vez. Relembro em cada instante a noite em que partilhámos as estórias que desconhecíamos um do outro, mas que tínhamos em comum. Recordo esse momento em que pela primeira vez foste amor para mim. E descubro como eu não sabia nada.
Uma noite vaga. Outra. Como tantas umas que já se viveram. Como uma noite que seria normal, madrugadas banais que não se explicam mas que se sentem. Não te vás embora, fica mais um bocadinho. Não partas, não ainda. E dá-me a atenção que eu te dou. E dá-me o sorriso que te peço. O olhar que preciso. Fica, fica. Ainda não percebi que em ti existe muito mais do que aquilo que eu vejo. E vais. Vais porque sim, porque tem de ser. E não há nada que mude essa partida porque já a vejo no teu olhar. A certeza do partir. E recuso acreditar que poderá haver em mim um sentimento que me faça querer que estejas perto. Isso não. Nunca. Nunca.
Noite exangue. Brusca na sua rapidez. Estavas tão perto tão perto que te imaginei mais do que o que sabia ser possível. E acreditei. Acreditei sim, que não seria só eu. Seríamos os dois, como nunca tinha ousado escrevê-lo nas minhas linhas. Seríamos ambos o mesmo para que a nossa vida fosse uma. Não para todo o sempre, mas para todo o tempo em que fosse possível sentir-se a pele a arder por um beijo que tarda. Para todo esse tempo em que te sentisse perto, tão tão perto, e o tempo em que tu me quisesses por perto. E com a certeza aboluta de que um dia tudo terminaria, sobretudo porque teria um começo. Mas no final descobrir que essa boca fechada não procura a minha e esse olhar não sorri para o meu. Descobrir que no final tudo magoa, tudo é apenas uma réstea de nada. Um farrapo pintado do azul do céu.
Diz-me de onde vieste tu, que estas noites não fazem sentido. Diz-me de que nuvem desceste, de que estrela caíste ou que planeta é o teu. Diz-me em que outra noite vou encontrar o que procuro há momentos que me parecem anos. Diz-me como era a minha vida antes porque não a consigo lembrar. Diz-me que sinais são esses, que amor é o teu. E depois de tudo isso dá-me coragem para continuar.