Thursday, July 29, 2010

Sem fantasia

"Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer

Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Vou te envolver nos cabelos
Vem perde-te em meus braços
Pelo amor de Deus"

Chico Buarque
Acabaram-se as fantasias? Mais um bocadinho...

Tuesday, July 27, 2010

"Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração."


Eugénio de Andrade

Jogadores

Tiras-me o sono, tiras-me a fome. Tiras-me os pensamentos e as ideias e preenches tudo com uma só: tu. Não sei em que momento me prendi a ti. Não sei qual foi o gesto ou olhar que me apanhou. Não sei como começou. Estava embriagada. Estava perdida na escuridão e tu parecias-me a luz. Ilusão. Jogas um jogo sózinho que eu não consigo acompanhar. Eu corro, desmarco-me e espero que me passes a bola. Tu não o fazes. Ficas no teu lugar, a bola junto aos teus pés, como se dessa forma te pertencesse. Eu fico na minha posição. E corro para a baliza à espera de um passe que nos faça marcar pontos. Mas tu não passas. Não passas nunca. Tens medo de perder a vantagem, mas também tens medo de marcar golo. Medo de chegar ao fim do jogo por não saber, talvez, o que fazer depois.

Monday, July 26, 2010

Iludes-me. Prendes-me. E eu deixo-me sempre levar por ti... Até quando, até onde? Porque é que o fazes assim?
Olho para a tua fotografia. Olho só por olhar. Olho para me maltratar. Para me castigar nem sei bem porquê. Olho. Sei que não devia, mas não consigo evitar. A tua imagem seduz-me. O teu toque seduz-me. O desejo de te ter seduz-me. Não estás aqui por perto. Estou sozinha mas imagino-te aqui. O teu corpo no meu, a tua mão na minha... Para onde foi isso? Ainda me segues? Páras para olhar fotografias minhas? Lês e relês todas as cartas que te enviei tal como faço com as tuas? Recordar é tudo o que me resta. Não há futuro a que me possa agarrar. Pelo menos neste aspecto. E o presente vai-se tornado cada vez mais um resto de vida que colecciono... E de novo uma pergunta. Quanto tempo vou durar assim?

Complexo ser

Sonho. Sonho acordado. Sonho da vida que não se tem e daquela que se quer ter. Sonho do desejo que é bem real e de quem já não está aqui para contar a história. Sonho dos amigos que tive e se foram perdendo pela vida. Sonho dos amigos que tenho e que terei. Sonho das pessoas que entrarão lentamente no meu coração, arrebatando a minha alma.
Abro o meu espírito ao mundo. Abro o meu ser a outros que se aproximam. Deixo-me levar na corrente e não digo nada. Neste momento sou só eu. Apenas eu, quieta, abandonada. Num quarto despido de tudo (como a minha alma).
Não sei quem sou, às vezes não me conheço. Há apenas em mim um reflexo de coisas que sei, mas imediatamente a seguir descubro que não sei nada. Tanto que a vida tem para me dar e eu não agarro. Tive amor, tive amizades. Tive saúde e saudade. Tive tudo, só não te tive a ti.
Penso - se voltasse atrás seria diferente? Não. Não se muda o passado. O passado muda o presente. Este eu que sou eu agora não seria igual se o eu do passado não tivesse tomado certas decisões. Se não tivesse ido para aí... Se não tivesse deixado tudo... Se não tivesse escolhido este caminho... Uma série de "ses" obrigam o meu pensamento a divagar sobre como seria a minha vida neste momento se... E ainda assim, não chego a nenhuma conclusão... Caminho ao sabor do vento pela rua deserta e busco-te nos gestos que vejo nas outra pessoas. Onde estás tu afinal?

Saturday, July 24, 2010

Tu(a)

Foi todo este tempo que passei a pensar em ti, à espera de um sinal teu, à espera de ti. Foi este tempo todo que não foi tanto assim, mas que me pareceu uma vida. Foi todo este tempo que me fez continuar a querer. Foi este tempo todo que me fez sonhar. Em vão. Páro por aqui? Não por enquanto. Um momento mais... Só mais um olhar, um último toque, um último suspiro... Um último beijo...

Friday, July 16, 2010

Repetido

Uma repetição uma vez mais. Que digo? Não há palavras agora. Tenho esta sala vazia e um coração cheio de ar. Vento. Amor... Todas as palavras, todas as voltas do mundo vão girar de novo no mesmo. E a ti. Que digo?

Hoje, amanhã, a vida inteira. Este momento que deito no lixo arde-me na pele. Que certeza esta de ser eu assim. De ser racional e pensá-lo e não agir como tal. Que digo?

Volto a ti, de mim. Que caminho percorro? Que noites em que não durmo? Que querer ser. Que distancia, que novidade é esta. Que digo?

Pergunto. A mim, a mim, a mim. Pergunto à pessoa que aqui escreve e que está dentro do meu corpo. Aquela que me vê no reflexo do espelho. Que digo?

Estas ideias estão gastas. É preciso encontrar outras novas. Dar-lhes uma forma e um sentido. Procurar no fundo do fundo aquilo que não sei. Que digo?

Tanta vida desperdiçada. Porque não ajo como penso? Não me sobram mais palavras.
Quem são estas paredes que me prendem? Quem é este quarto de onde não consigo sair? Quem é esta música que ouço? Quem são as minhas mãos? Quem são os meus olhos? Quem são os meus braços e as minhas pernas? Quem é eu?

Thursday, July 15, 2010

Dos

E dormi. Dormi, dormi e dormi. Dormi tanto que não sei por quanto tempo foi. Dormi tantas horas que nem percebi quantos dias se tinham passado. Sem me aperceber, quando abri os olhos o Verão já tinha tomado conta dos lugares. E a sua expressão era mais forte que nunca. Acordei com o corpo e os lençóis encharcados em suor. A casa, fosse ela qual fosse, estava silenciosa. A noite caía. Final do dia, início da outra metade. É espantoso ver pessoas a chorar pelo final de algo: este fim apenas representa o começo de outra coisa. Como por exemplo, quando acaba o açúcar, isso apenas significa que começou a existir a escassez de açúcar. Quem diz o açúcar poderia dizer o alcool ou as drogas. Da mesma forma, a partida, a despedida é apenas o encontro noutro lugar. Se eu me despeço desta casa, vou chegar a um outro lugar. São apenas dois lados da mesma moeda. E é sempre assim com tudo. Quero dizer, com tudo menos com a morte.
A casa continua silenciosa. A lua já subiu no céu que escureceu entretanto. Lua cheia... Há tanto tempo que não a via. Isto significa que devo ter estado a dormir durante mais de um mês. Tantas coisas que podem acontecer durante um mês. Crianças nascem e morrem. Mães fogem dos maridos que lhes batem. Mulheres morrem nos braços de maridos que lhes batem. Criam-se cidades. Descobrem-se curas para as doenças do mundo. A água torna-se cada vez mais escassa. Guerras começam por causa disso e guerras começam. Países vão à falência. Uniões são feitas e desfeitas. Flores crescem nos campos. Flores apodrecem pelo calor e pela mesquinhez (e pela falta de água, este foi o principal motivo para começar a guerra).
Não sei que digo. Fui um corpo morto, porque um corpo adormecido é um corpo morto com a única diferença de respirar e ter o coração a bater. Fui um corpo morto. O mundo poderia ter acabado e eu não saberia de nada. Eu seria o mesmo a dormir nesta cama. O silêncio lá fora diminui. Começam a ouvir-se ruídos. Ruídos que não sei identificar. Talvez o meu cérebro se tenha esquecido de como se pensa. Ou tenha apagado todo o registo de ruídos dos seus ficheiros e agora eu não os consiga identificar. Será que quando alguém falar para mim eu vou conseguir decifrar a sua mensagem? Ou vou ter que aprender tudo desde o começo outra vez? Os ruídos aumentam. Afinal ainda os consigo identificar. São passos no chão de madeira. Não sei que casa é esta. Num momento o pânico apodera-se de mim. Não sei onde estou nem o que estou a fazer aqui. Não sei quem me trouxe ou como vim aqui parar. Não sei porque estou aqui. Ouço os passos a aproximarem-se. Sinto-me louco. Sinto-me preso. Num momento contemplo a janela e pondero a hipótese de escapar por aí. Terceiro andar. Não arrisco. Os passos aproximam-se. Ouço-os cada vez mais perto. Talvez devesse voltar para a cama e fingir que continuo a dormir (ou continuar mesmo, para sempre). Não reajo. Continuo de pé, perto da porta, hesitante sem saber o que fazer. A divisão não tem local onde me possa esconder... Estou perdido. Não sei o que vem aí. Os passos estão cada vez mais próximos. A porta vai abrir. Vejo a maçaneta a rodar devagar. Alguém abre a porta. Tenho medo mas não sei de quê. A porta abre. Do outro lado está uma velhota com um ar simpático a sorrir para mim. Diz ainda bem que acordei, já estava na hora. Não sei quem é mas vem à minha memória a imagem desta mesma mulher em qualquer momento da minha vida. Ou talvez uma memória de antes da vida.