Monday, August 30, 2010

Há quanto tempo não sei de ti? Já não me lembro sequer da última vez que nos tocámos - minto. Como poderia esquecer? Sei exactamente a data, a hora e o minuto. Desculpa se não me lembro do segundo, mas já não é importante. Sei até que roupa vestia, que roupa vestias e como fizeste para a despir. Sei o sítio em que foi, em que circustâncias aconteceu e porque aconteceu. Sei até como acabou.
Ao lado, lembro-me da primeira vez que me tocaste. Estranhamente senti-me mais feliz do que nos dias mais felizes que tinha tido até então e pensei que isto era felicidade - não era. Lembro-me do passeio nocturno por aquelas ruas que eu conhecia tão bem, mas que naquela noite me pareciam diferentes. Por algum motivo elas demoraram muito tempo a desaparecer do meu imaginário que te incluia a ti.
Lembro-me da forma como te queria. Tão intensamente que julgava não poder controlar - afinal podia e, hoje sei, não te queria assim tanto. Lembro-me de tantas coisas que preferia não lembrar. Lembro-me do jantar em tua casa, da tua perfeição nesses momentos. Lembro-me de descobrir a falta de perfeição em ti, todos os teus defeitos (com excepção dos que ainda hoje estão por explorar). Da boleia no teu carro e do teu olhar a queimar pelo espelho retrovisor.

Friday, August 27, 2010

Este era o dia em que eu não queria esquecer que foi o dia. Porque sendo um fim, foi um princípio. Todo o fim tem o seu princípio, assim como todas as coisas que acabam têm um começo que é a ausência dessa coisa. Hoje é o dia em que não quero esquecer que houve esse dia. Porque embora seja um dia sem história - é um dia que tem história mas que não fica na história porque nada do que nele aconteceu mudou alguma coisa daquele futuro que é presente agora - é o dia que eu gosto de recordar, doce e suavemente.

Wednesday, August 25, 2010

"Canção do engate"

Hoje existe e eu existo. Este momento existe. Este agora que aqui está existe. Consigo vivê-lo e senti-lo. Quase consigo tocá-lo. Este hoje é real. E o amanhã? O amanhã não interessa agora. Não é palpável, não tem consistência. Não faz sentido esta noite.
Tu és real. Existes. Tal como eu. Fazes uma pausa na rotatividade do teu sistema solar e vens procurar um outro Sol: eu. Uma, duas, três voltas à roda deste Sol e já tudo gira. Giram os copos, giram as cabeças, giram as mãos. Giram os braços em abraços apertados e os lábios em toques tímidos. Giram os beijos com vontade própria. Giram os corpos na mesma direcção.

Giram os corpos em direcções opostas. As luzes acendem-se. É a hora de cada um regressar ao seu sistema solar. Trocam-se duas palavras. Não se trocam números ou letras. Não se troca mais nada do que aquilo que se trocou. E o que fica são apenas as memórias (desfocadas) de mais uma noite. De mais um hoje que se tornou ontem. E um amanhã que se tornou real porque já é hoje.

Peça para quatro

Uma noite com Lua. Como uma qualquer outra noite com Lua. Uma única diferença: a Música. Existiam apenas duas certezas fundamentais. O Tu e o Eu. Nesta noite em que a Música era diferente, Tu decidiu ir mais longe nas ruas do seu próprio destino. Tu vestiu-se e perfumou-se. Saiu de casa sem perceber porque se sentia diferente naquela noite em que a Lua parecia tão igual a sempre. Só depois reparou na Música. Cruzou uma rua e outra. Cruzou praças e avenidas e todos os locais lhe pareciam iguais, mas estranhamente diferentes. Chegou a um largo deserto (a Música tinha ficado para trás, cansada que estava da caminhada nocturna) e viu Eu sentada num banco. Eu olho-o de longe, já sabendo que não conseguiria fugir. Sabendo que mais uma vez iria ceder. Tu aproximou-se de Eu e abraçou-a. Não havia nada a fazer... Mais uma vez ia deixar-se envolver por braços que não devia. Mais uma vez ia beijar lábios que desejava mas não devia beijar. O silêncio tocava agora mais alto do que a Música conseguira. Era uma questão de segundos. Tu aproximou-se mais. Eu estendeu-lhe a face. Os seus lábios uniram-se. E a Lua, que assistia a tudo, proclamou: não separe o Homem o que a Lua uniu.

Saturday, August 21, 2010

Quando a vires não digas nada. Fica calado. Olha-a nos olhos e sorri. Vais ver que recebes um sorriso na troca. Dá-lhe a mão. Leva-a a passear, não interessa onde, ela só terá olhos para ti. Diz-lhe palavras bonitas ao ouvido. Diz-lhe como morrias de saudades dela. Diz-lhe que o tempo passa mais devagar quando não a podes tocar. Aparece com flores. Ajuda-a a cozinhar. Ri com ela. Faz o brinde antes de beber. Beija-a à sobremesa. Abraça-a até adormecer.

Entrou e começou a falar. Gritava, quase como se não a visse. Fechou os punhos e dos seus olhos saltavam faíscas que pareciam raiva, dor e ódio. Ficaram em casa. Ele falou e falou. Disse coisas sem sentido. Chamou-lhe nomes. Berrou com todas as suas forças o quanto a desprezava. O quanto não queria estar com ela. Tirou a faca da gaveta e ameaçou-a. Não a ajudou a cozinhar. Riu-se dela. Chamou-lhe porca vadia. Atirou o prato ao chão depois de comer. Adormeceu e não voltou a acordar.

Tuesday, August 17, 2010

Tela

Procuro no álbum de fotos da memória uma imagem. Passo as páginas uma a uma da frente para trás e de trás para a frente. Encontro. No meio dos restos da vida, a tua foto ocupa uma página inteira.
Eras verde. Eras tão verde que parecias feito das próprias árvores. Eras um arbusto plantado no meio de uma praia vazia.
Eras branco. Porque a forma como desviavas o olhar e sorrias era tão infantil, que nela consegui ver a alvura da tua alma.
Eras azul. De um azul intenso, uma cor que só o mar (reflectindo o azul do céu) pode ter. Ou uma cor que apenas o céu (reflectindo o azul do mar) pode ter.
Eras castanho. Da cor dos troncos secos das árvores. Da cor da tua roupa. Da cor do teu cabelo. Da cor dos teus olhos.
Eras vermelho. Porque nesse sorriso de criança, encontrei um demónio que não podia combater e que vivia dentro de mim.

Wednesday, August 11, 2010

Desdém dois

Desdenha-me. Desdenha-me muito. O mais que puderes. Desdenha-me de dia, de noite, ao entardecer. Desdenha-me até ao amanhecer se perferires e estiveres acordado. Desdenha-me ao almoço e ao jantar também. Desdenha-me quando estiveres sozinho, quando estiveres acompanhado. Desdenha-me até quando estiveres comigo. Desdenha-me na rua, em casa. Desdenha-me na sala, na cozinha, no quarto. Desdenha-me na cama. Desdenha-me acordado. Desdenha-me nos teus sonhos. Desdenha-me nos meus sonhos. Desdenha-me quando estiver calor e nos dias de chuva. Desdenha-me quando o vento uivar, ou quando os trovões atroarem os céus. Desdenha-me quando a Primavera florir e o calor espreitar. Desdenha-me na praia. Desdenha-me no dia de S. Martinho e na noite do mesmo. Desdenha-me no Carnaval. Desdenha-me quando te apetecer, só porque sim, e desdenha-me quando tiveres motivos. Desdenha-me quando me olhas, e desdenha-me quando fechas os olhos. Desdenha. Eu deixo. Desdenha sim. Mas no final, peço-te, não te esqueças de comprar.

Do gostar

Gosto de quando dizes que sim. E gosto quando dizes que não. Gosto de quando me provas. E gosto quando me deixas provar-te. Gosto de quando me puxas para cima. E gosto quando me pisas no chão. Gosto de quando me prendes. E quando me soltas não. Gosto de quando me falas ao ouvido. E gosto quando me sussurras nos lábios. Gosto de quando me aqueces. E gosto quando me arrefeces a alma. Gosto de quando és eu. E gosto quando sou tu. Gosto porque sim. E gosto porque não.