Tuesday, June 30, 2009

Entra pela janela fechada. Não sei como. Descobre. Inventa. Parte o vidro, arromba uma janela. Une os lençóis e sobe ao parapeito. Eu espero-te. Devagar. Com paciência. De olhos bem fechados. Trepa pela parede. Recria aquilo que ainda não criámos. Vem. Sem pressa. Eu espero-te. Aqui. De novo. No escuro.

Sunday, June 14, 2009

Não me toques

Não me toques. Não me toques não. Não te sei, não te conheço. Não sei como vim aqui parar. Não. Não toques. Se ainda há pouco éramos um no outro é porque o calor me toldava os pensamentos e os sentidos. Mas agora não quero que me toques. Para já quero que te afastes, quero-te distante. Longe. Não sejas tu, não. Se estive ali contigo, mas não era a ti que eu queria não. Não me toques. Eu pensava em outra pessoa que não eras tu. Desculpa, mas não me toques. Não me toques mais.
Estranha...
Estranhamente de mim sai uma dor.
Chega sem se ver,
sem sentir
sem ser-ser.

De dentro
Do fundo de mim
da minha alma.
Deste resto de nada
Do siêncio sem fim.

Cobre-me o peito
Agasalha-me nela,
Mas a luz vaga já não é nada.
Nem uma estrela,
Nem uma vida.

Dorme, dormente
o peito fechado.
Aconchega-me a dor
de ser, de sentir
Dor de pensar.

Meu velho vício de sonhar

Fecho os olhos. Há ruas à minha frente. Nelas vagueio, nelas me perco. Há gente que me segue e gente a quem eu sigo. Há pessoas que se cruzam na minha frente, que vêm na minha direcção, que me corroem nas entranhas. Há gente que me inunda, que me enche, que me transborda. Há gente que já não faz sentido e gente que ainda tem muito para dar. Há gente que me olha, gente que me avalia, que me diz sim ou não. Há gente de todas as cores, de todos os feitios. Gente com sorrisos, gente que chora. Gente que pede para comer. Gente que pede para beber. Gente que pede só porque sim. Gente que entra na alma. Gente que não se esquece. Gente que fica para sempre aqui.
Sigo por esta rua ou por aquela. Uma ou outra direcção me levam ao mesmo caminho - tu. À luz da lua o escuro não parece tão escuro. O medo de fracassar não parece tão intenso (nem o medo). Não sei quem tu és, nem por que ruas caminhas. Não sei por onde. Mas esta rua não é, seguramente, a tua. Nem a minha. Somos de ruas diferentes, praças distintas, avenidas paralelas que nunca se cruzarão, por maior que seja o caminho.
Não. Não existirá nunca um vazio para preencher. Não deixarei que alguma vez o passado se repita uma vez mais. Agora sou eu e eu. Não voltarei a sentir jamais a falta do que nunca tive. E nas noites em que o desejo for mais forte, só me resta o velho vício de sonhar. Fechar os olhos e esquecer o real, deixar que apenas aquele mundo mágico habite em mim. E acreditar no amanhã. Sonhar e sonhar e reabrir os olhos e fazer de conta que este mundo é real. Abrir os olhos como o faço agora. E pôr o ponto final

Thursday, June 11, 2009

Não te amo

Não te amo, quero-te: o amor vem da alma.
E eu na alma - tenho a calma,
A calma - do jazigo.
Ai! Não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida - nem sentida
A trago eu já, comigo.
Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.


Almeida Garrett

Monday, June 08, 2009

tentativa

Uma e outra, e outra vez. Repetindo e repetindo. Tentando sempre. Não foi agora, da próxima é que vai ser. Agora não, mas talvez amanhã. Tentando sempre. Reactuando e reagindo com gestos que são sempre os mesmos. Com o texto que é sempre o mesmo. Um guião que se repete. Um guião chamado solidão.

Cega de ti

Chega de ti. Não quero mais. Não és nada, afinal. Apenas uma memória (ainda que muito reconfortante). És apenas um passo que passou. Um passo que, como muitos outros foi dado sem levar a lado algum. E mais nada.

Friday, June 05, 2009

Inexplicavelmente

Não esperava nada de ti. A verdade é que não. E inexplicavelmente foste tudo o que eu esperava. Foste o sol e o chão. A noite clara. Foste o canto sem música. Foste a palavra proibida revelada. Foste o dia com sentido. Foste a fotografia pintada. Foste o sonho. A maresia. Foste a incerteza na certeza. Foste o ontem e o amanhã. Foste a minha paz. Foste o meu sorriso. Foste os meus olhos. Foste o sangue corrente nas veias. Foste o inesperado. A minha surpresa. Festa de fim-de-ano em Maio. Foste o aqui e o agora, passando pelo talvez. Foste o meu princípio e o meu fim. E não digo que amanhã serás tudo outra vez. Não digo que amanhã não sejas terra. Não sejas pó. Não sejas cinza e nada. Não digo nada. Fico calada a ver. E a reviver o que senti hoje. E a reviver os lábios.